O texto que se segue, foi retirado do livro “Da rua do contador para a rua do ouvidor”, do escritor António Torrado. Vale a pena ler!
O Senhor Distraído
"Era uma vez um senhor que era muito distraído. Estava sempre a perder coisas - as luvas, os óculos, o pente, o chapéu-de-chuva (dúzias de chapéus-de-chuva!), a carteira, a caneta e, até, uma vez, os sapatos.
Dessa vez em que chegou a casa descalço, a mulher dele fez um grande escarcéu:
- Ó homem, tu andas mesmo de cabeça perdida. Uns sapatos novos, que custaram um dinheirão! Onde é que os deixaste?
O senhor, que tinha olhos azuis, muito claros, por trás dos óculos de aros redondos, fitou a mulher e disse:
- Não sei. Costumo descalçar os sapatos debaixo da secretária, lá no escritório. Fui à casa de banho sem eles e, quando voltei, os sapatos tinham desaparecido. Alguém os levou, por brincadeira.
E o senhor ria-se, achando graça à partida que lhe tinham pregado. A mulher é que não se conformava:
- Perdes tudo! Qualquer dia até perdes a cabeça.
E não é que a perdeu mesmo?
Umas vizinhas lá de casa vieram dizer à mulher:
- O seu marido, calcule, perdeu a cabeça. Trazemo-la aqui, quer ver?
Era mesmo. Os olhos azuis... Os óculos de aros redondos... E o sorriso de sempre.
- Estamos bem aviados - disse a mulher. - Se ele, com cabeça, era tão distraído, sem cabeça não sei como vai ser...
Mas um homem sem cabeça acaba sempre por dar nas vistas. Trouxeram-no à mulher. Só havia um problema. A cabeça não encaixava.
- Este não é o meu marido. Deve ser outro, que também perdeu a cabeça.
Pois era. E havia mais. Bastantes! Quando por fim lhe apareceu o marido e a cabeça voltou ao seu lugar, a mulher não barafustou nem se ralou muito.
Encolheu os ombros. Afinal havia mais distraídos do que ela julgava..."
António Torrado, in Da rua do contador para a rua do ouvidor
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